Romance do escritor pernambucano Juliano Ferro faz um passeio nas influências deixadas pelos Movimentos Armorial e Manguebeat.
O Movimento Armorial surgiu em 1970 e teve na figura de Ariano Suassuna seu maior idealizador. O escritor defendia a criação de uma arte erudita a partir da cultura popular do Nordeste. O Manguebeat, por sua vez, surgiu no início dos anos 90 denunciando a pobreza e a desigualdade no estado, e propondo, ainda, uma renovação artística, com o reaquecimento da cena cultural. O movimento tinha na banda Chico Science & Nação Zumbi seu maior expoente e também se propunha a valorizar as culturas regionais nordestinas. Ainda é possível ver as influências de ambos os movimentos na contemporaneidade, a exemplo do próprio sentimento de proteção que o pernambucano tem para com suas raízes, seja protestando nas redes sociais contra o que considera invasão a espaços pertencentes às produções locais, seja na assimilação de outras tendências e ritmos, afirmando sua identidade plural, inteiramente pernambucana.
Foi esse universo que o escritor Juliano Ferro admitiu para o seu romance Toque de Arrebol. O livro traz, sobretudo, a história de dois jovens. Um deles, Eugênio, é multi-instrumentista e filho da união entre uma brasileira e um russo. A família resolve se mudar para o Brasil quando o garoto tem 8 anos de idade, onde ele cresce dividido entre o prazer pela música e as cobranças de seu pai. Em contato com a efervescência cultural que marca a capital pernambucana, ele transita do piano à assimilação de outros elementos que identificam a música no estado. Eugênio acaba se envolvendo com Cecília, uma advogada reclusa que questiona constantemente suas relações com o mundo. Ambos resolvem montar um projeto musical, e os textos que ela escreve acabam virando música nas mãos de Eugênio. As composições se tornam o resultado de suas experiências familiares e urbanas, ainda influenciados pelas ideias e batidas promovidas pelos dois movimentos. Absorvidos pela arte, os jovens também promovem reflexões viscerais sobre o processo histórico e cultural em que estão inseridos, com repercussões surpreendentes.
Pode-se dizer que Toque de Arrebol retoma o traço fino da literatura e possibilita a observação do ser humano em temas que são corriqueiros, desde aqueles íntimos, de autoconhecimento, a questões urbanas caracterizando uma sociedade ainda marcada pela desigualdade e violência.
Segundo o autor, Juliano Ferro, “O livro é literalmente o resultado de várias fusões. Devido à nossa pluralidade sociocultural, a tantas diferenças que aqui se relacionam, nosso estado acaba abrindo essa janela sensível para a observação humana, projetando-se em seu aspecto universalizante. A exposição cuidadosa e fiel da realidade é suficiente para que o leitor entre em contato com a obra e faça suas conclusões, pois ele poderá se identificar, em maior ou menor medida, com cada personagem, assim como ocorre na vida real. Observar o outro é também uma maneira de nos conhecermos num universo que pode essencialmente singularizar dramas e conflitos, apesar de os indivíduos exercerem vocações existenciais absolutamente exclusivas”.